Dos gigantes, o maior: o fenômeno Lomu e as histórias por trás do mito
UOL Esporte
Por Bruno Romano
Se a vida fosse apenas fazer tries, Jonah Tali Lomu tiraria de letra. Dentro de um campo de rúgbi, esse simpático brutamonte neozelandês se sentia a vontade. Dominava as atenções e atropelava adversários com uma facilidade chocante. Lomu elevava o nível do jogo. E se divertia. O impacto de suas corridas e trombadas foi tão grande, que se tornou uma lenda All Black, e ainda acabou eternizado como o homem que mudou o jogo de rúgbi para sempre.
O problema é que, fora dos gramados, os rivais eram bem mais perigosos. Lomu sofria de síndrome nefrótica, uma condição delicada nos rins que foi descoberta em 1995. Depois de 21 anos de batalha diária a situação acarretou em uma parada cardíaca, de acordo com a avaliação imediata dos médicos. Lomu se foi, em Auckland, sua cidade natal. O mundo de rúgbi está de luto.
As mensagens de apoio, de amigos e ex-rivais, confirmam: tudo o que Lomu tinha de bruto em campo, ele compensava com alegria e gentileza fora dele. Foi assim no último Mundial de 2015, última vez que foi visto em público em um estádio. Enquanto todos buscavam uma foto ou um momento perto do ídolo, o gigante insistia apontar os holofotes para o outro lado. Agradecia ao rúgbi por tudo o que o esporte lhe deu.
O rúgbi também reverencia Lomu. Ele foi pioneiro em atrair público e atenção para o jogo – bem na época de transição do amador para o profissional. Também quebrou barreiras ao conquistar fãs em todo o mundo, a reinventar a sua posição de ponta e a fazer com que jogadores (não importa a idade) tivessem uma nova referência de excelência.
Por pouco, tanta potência física e agressividade não foram para o caminho errado. Como releva sua biografia, Lomu se envolveu com gangues e pequenos crimes na adolescência na Nova Zelândia. Filho de tonganeses – passou a infância em Tonga, onde é ídolo –, foi “salvo” por um professor de escola e futuro treinador All Black que viu em Lomu um potencial incrível.
Mais do que tries, está aí seu grande legado: quebrar barreiras sociais, lutar contra qualquer adversário e tirar da vida o melhor que ela pode dar.
A imagem de Lomu atropelando Mike Catt na semifinal da Copa de 1995 resume bem isso. Aliás, ela sintetiza sua carreira e sua história de vida. Ela também define o que é um All Black. Este try sobre Catt foi eleito o melhor de todos os Mundiais. Naquele jogo, Lomu ainda fez mais três tries – dos 37 que anotou em toda carreira pelos homens de preto em 63 jogos. No Mundial de 1995, nasceu de verdade o mito Lomu.
Pela sorte do rúgbi (e dos neozelandeses), ele não atendeu um convite tentador às vésperas daquele Mundial. Os Dallas Cowboys, tradicional time de futebol americano da NFL, ofereceram um rio de dinheiro pelo menino de 20 anos. Como Lomu sequer estava na lista inicial de convocados para a Copa, cogitou a possibilidade. Mas amigos próximos insistiram para ele fazer mais uns jogos pelos All Blacks. Dali para frente, camisa negra e Lomu não se separariam mais.
Lomu só não fez mais estrago em campo pela condição física. Depois da Copa de 1995, passou por novos problemas nos rins e voltou a se destacar ao ganhar ouro no Commonwealth Games de 1998, jogando Sevens (nova modalidade olímpica). De volta aos All Blacks, foi peça chave na maior seleção do mundo entre 1999 e 2002. Mas em 2004 fez um transplante de rim – na época já não dava conta de atingir a mesma forma física. Seu corpo rejeitou o órgão em 2011, gerando novos desafios diários.
Na última década, Lomu ainda jogou na terceira divisão da França (em 2009) e chegou a participar de eventos amadores de boxe e até fisiculturismo. Seu novo objetivo na vida, no entanto, era claro: lutar contra a condição para ver seus filhos completarem 21 anos – quando ele faria 55. A notícia de Auckland não foi o fim que ninguém esperava para esta história.
Desde que Lomu chocou o mundo no Mundial de 1995, novos grandes jogadores vieram. Alguns mais rápidos, uns mais habilidosos, e outros até mais fortes. Mas no conjunto da obra, Lomu se provou muito acima da média, se tornando de fato o primeiro grande astro do rúgbi.
Para comprovar de vez a lenda, a cada uma ou duas temporadas aparece um “novo Lomu”. É a mostra definitiva de que ele nunca será substituído. Se antes de morrer, Lomu fez questão de agradecer ao rúgbi, agora (e para sempre) o rúgbi agradece a ele.
(No auge: Lomu encara a seleção australiana, em julho de 1995)