Como África do Sul sobreviveu a Gales, e deu volta por cima na Copa
UOL Esporte
O roteiro de África do Sul e País de Gales já estava escrito. Um jogo bruto e pegado. Uma batalha campal decidida por uma bola. Dois times dando uma aula de coragem, conjunto e rúgbi bem jogado. Sim, foi exatamente isso o que aconteceu neste sábado em Twickenham, no duelo de abertura das quartas-de-finais do Mundial 2015. Mas com o dobro de intensidade, tensão e emoção.
A vitória sul-africana de virada (23-19), nos últimos minutos, é um espelho da campanha dos Springboks até aqui. Uma equipe que transformou a maior derrota da sua existência em combustível para a mais difícil missão da sua história: apagar de vez um vexame, conquistando o terceiro título mundial.
Dentro de campo, a África do Sul já deixou para trás a derrota para o Japão e a assombração de ficar de fora da primeira fase. Mas a trágica estreia ainda está bem viva na memória. Na prática, isso se transforma em pressão. Já não há alternativa: é ganhar ou ser lembrado para sempre pela “tragédia”.
Acontece que o adversário do dia era o País de Gales. Um freguês histórico, é verdade, mas uma seleção que sobreviveu a um grupo da morte com Austrália, Inglaterra e Fiji. Um país que ama e vive rúgbi. Um grupo de atletas que é sinônimo de todos os valores do esporte. Ou apenas, se preferir, um time do mais alto nível, jogando uma partida de Copa do Mundo perto da sua casa diante de 80 mil torcedores.
Se de um lado o grupo da morte deixou os galeses mais cansados fisicamente, por outro trouxe uma força mental quase “sobrenatural”. Também não dá para esquecer que essa seleção resistiu até aqui sem pelo menos 10 atletas importantes, que ficaram, lesionados, pelo caminho.
Acredite, os galeses fizeram tudo o que podiam – o que só aumenta o mérito da vitória dos Springboks.
Gales liderava até o momento crítico, os 10 minutos finais. Deram realmente tudo o que tinham. Usaram todas as armas pensadas, programas e as improvisadas também. Defenderam o território, a honra e a história do rúgbi do país.
No fim do jogo, padeceram com o ritmo frenético. As pernas pesaram e faltaram recursos físicos para raciocinar. Terminaram a batalha guiados pelo instinto. Sempre unidos.
O pecado de Gales pode ter sido não ousar um pouco mais – quando ainda tinham fôlego para isso. Do lado dos Springboks, a ousadia foi chegar até aqui com a cabeça erguida, dar a volta por cima e se recusar a desistir de um jogo, mesmo em um cenário tão perigoso.
É por isso que eles são autoridades no mundo do rúgbi. Em cada lance, pareciam querer passar esse recado. Em vez de pedirem por respeito, obrigaram todos a tirarem o chapéu.
Conseguiram levar Gales ao auge da exaustão. Mesmo assim, os galeses ainda deram um jeito de encará-los de pé. Mas quando o sonho dos europeus estava virando realidade, viram tudo escapar em um piscar de olhos.
Um passe mágico do oitavo sul-africano Duane Vermeulen abriu caminho para o try mortal de Fourie du Preez. O lance definiu o duelo, e já entrou para a história dos Mundiais – pela brilhante conclusão e pelo estilo de brutamonte do autor da pintura.
Quando se cutuca um gigante, e convida ele a acordar, coisas assim acontecem.
Por Bruno Romano