Capitão explica despedida antes da Olimpíada, e fala do futuro do rúgbi
UOL Esporte
Fernando Portugal poderia ser o capitão do Brasil nos Jogos Olímpicos de 2016. Mas decidiu encerrar a carreira no fim deste ano, oito meses antes de o rúgbi voltar à cena olímpica no Rio 2016. Para Portugal, é o fim de um ciclo. E também um recado para pensarmos mais coletivamente no rúgbi brasileiro.
Fora de campo, o novo objetivo do ex-capitão é ajudar a levar o Brasil para uma Copa do Mundo de Rúgbi quinze. O país nunca participou do maior torneio do esporte, disputado na modalidade originária do rúgbi.
Para entender melhor sua decisão, embarcamos no espírito olímpico e escolhemos sete temas chave. É neste ritmo de Sevens – rápido, ágil e intenso – que Portugal falou abertamente o que pensa, defende e acredita para o futuro do rúgbi brasileiro.
1. APOSENTADORIA
“No grupo da seleção de Sevens percebo uma corrida individual para chegar a Olimpíada. Perdeu-se um pouco do propósito, da paixão pelo grupo, pelo momento e pela causa do esporte. Mas isso ainda pode mudar. A gente pode ter um grupo olímpico de caras que queiram representar toda uma geração. Dá para achar essa sintonia. E minha escolha tem a ver com isso também. Acho que, tomando essa atitude, demonstro que o propósito do rúgbi é maior do que torneios (ou até glamour e dinheiro). Teve um momento decisivo nesta história que foi uma declaração do Richie McCaw [capitão dos All Blacks]. Ao se aposentar, ele disse que a carreira dele não tratava de ser um herói, mas de deixar um legado. Eu tive um filho também. Vivo um momento em que busco mais estabilidade. Apareceram oportunidades fora de campo. Coloquei tudo na balança, pensando também em quanto ainda poderia render no gramado. Mesmo assim, não é fácil parar.”
2. OLIMPÍADAS 2016
“Dentro de campo, o Sevens está um absurdo: muito rápido, físico e técnico. Os duelos vão ser deste nível para cima. Mas é um jogo que permite que um time inferior leve a melhor se o mais forte não entrar tão bem. O Brasil vai estar muito motivado e bem preparado por jogar em casa. A gente pode esperar boas atuações. Fora de campo, o que temos de aproveitar é a visibilidade que a Olimpíada, aliás, já nos deu. Recebemos profissionais e investimentos por causa disso. Precisamos preparar melhor a nossa estrutura, em pouco tempo, para receber mais um grande impacto que os Jogos vão trazer. Não tenho dúvida de que vai ser enorme. Muita gente vai vir pro rúgbi. Temos de sobreviver a esse tsunami positivo, para não olhar para trás e só ver destroços.”
3. SEVENS (7’s) OU QUINZE (XV)
“Gosto muito dos dois, mas o rúgbi XV é mais grupo. É mais rúgbi. No Sevens é tiro curto, e os jogadores se destacam mais, são mais protagonistas. Tem muito individualismo, mas não no sentido negativo. Acontece que todos têm de fazer tudo muito bem. O Sevens não é democrático como o XV e não há espaço para ser ruim em nenhum quesito do jogo. O XV tem que ser sempre a base de tudo. O 7’s seria uma pedra lapidada, dentro de um rúgbi bem desenvolvido.”
4. GRINGOS NO BRASIL
“Estamos em uma fase de busca de resultados e competitividade extrema. No fim das contas, joga quem é melhor. O que tenho falado muito com os jogadores brasileiros é que temos de ‘reassumir’, ou seja, voltar a ser protagonistas. Não por sermos brasileiros, mas por sermos bons. A competição que os gringos trazem é boa. O que cobro muito é que, quem vem de fora, tenha muito mais responsabilidades do que privilégios. Vista a camisa, mostre que pode, e trabalhe mais que os outros. Temos que ajudar esses caras também e cobrá-los, senão é um tiro no pé. No final das contas, o que eles vão deixar quando foram embora fica de legado para o Brasil. No nível de técnicos e dirigentes, não temos como ter apenas brasileiros ainda. Precisamos dos gringos, mas não podemos depender deles. Temos de formar brasileiros para o futuro.”
5. RUGBY PROFISSIONAL NO BRASIL
“Estamos em um momento delicado: entrar em um cenário profissional sem ter uma casa com estrutura, que seriam os clubes. Temos que fortalecer esta estrutura de clube, responsável por formar os atletas. Ao mesmo tempo, não podemos se esquecer do lado dos resultados. Se pegarmos apenas ‘amadores’ para jogar o novo Seis Nações das Américas, por exemplo, os caras vão se machucar – e os investidores ainda podem se assustar. Não esquecer os clubes, o mais importante, sem deixar de lado uma estrutura profissional. É um momento perigoso, mas temos que seguir adiante, não podemos parar. Precisamos ir ajustando no caminho, por tentativa e erro.”
6. COPA DO MUNDO
“Eu imaginava que o Uruguai fosse sofrer muito na última Copa, mas não foi assim. Deu uma luz no fim do túnel, sabe? Eram jogadores [uruguaios] ali que a gente se acostumou a jogar contra – muitas vezes os superamos ou igualamos forças dentro de um jogo. Pela estrutura, potencial e empenho que temos é possível que a gente chegue em 2019, mas é mais provável em 2023”.
7. DESPEDIDA NO PACAEMBU (COM 10 MIL PESSOAS)
“Você não imagina o que são 10 mil pessoas até ver isso. Foi muito mais impressionante do que a gente podia esperar. No primeiro tempo, estávamos atacando de frente para a entrada do Pacaembu, e não parava de chegar gente. Nunca sonhei com minha despedida, mas se tivesse sonhado acho que não seria tão bom como foi. Tem este lado legal de eu ter vivido tudo isso, mas tem outro de que fui o primeiro a passar por algo assim. Não é que me sinto mal, mas fico um pouco desconfortável, pois gostaria de estender isso. Acontece que eu ainda respeito muito os caras que eu admirava quando comecei a jogar. Na minha cabeça, eles fizeram muito mais pelo rúgbi do que eu. Ainda os vejo os lá em cima. Que isso abra portas para que novos jogadores vivam uma despedida também. Foi tudo perfeito. E me deixa mais tranquilo quanto à decisão de parar.”