Existe o Pelé do rúgbi? Sim, e está na final do Mundial
UOL Esporte
Artigo escrito por Werner Grau
Vice-presidente da Confederação Brasileira de Rugby
Nossa cultura futebolística leva a um vício: sempre comparamos os outros esportes com o futebol.
Não é diferente com o rúgbi. Quando digo às pessoas que jogo rúgbi e atuo na organização do esporte no Brasil, sempre vem a pergunta inevitável: quem é o Pelé do rúgbi?
Bom, o rúgbi é, na essência, um esporte coletivo em que todo mundo ataca e todo mundo defende. OK, diz o interlocutor, mas tem um Pelé?
Lembro-me dos anos 1980, segunda metade, em que se dizia que Serge Blanco, um venezuelano criado na França, em cuja seleção se notabilizou, era indicado, por alguns, como o Pelé do rúgbi. Blanco tinha habilidade incrível, e sabia achar espaços no campo como poucos. Mas isso não fez dele o correspondente, no rúgbi, ao nosso Pelé. Porque o rúgbi, pelas suas características absolutamente coletivas, de construção conjunta do jogo, não tem espaço bastante para um atleta brilhar tanto mais do que os outros, a ponto de se tornar o atleta insubstituível. No rúgbi, o conjunto se destaca, porque, sem ele, não há equipe que vença.
Mas, ainda que em escala muito reduzida, há similaridade entre o camisa dez clássico do futebol, aquele que, no Brasil, já vai tempo que não temos (vi um dos últimos da espécie brilhar, o fenomenal Zico), habilidoso e responsável pela armação de jogadas, municiando o ataque e, muitas vezes, transformando-se ele mesmo no aríete que vaza as barricadas adversárias, e o camisa dez do rúgbi, aquele atleta cuja posição denominamos, comm razão, de abertura.
Um time de rúgbi divide seus quinze jogadores em forwards (ou avançados, tradução que se adotou em Portugal e começa a vingar no Brasil), que são oito jogadores que jogam mais compactos, e buscam obter a posse de bola para a equipe, e três-quartos (ou, como se costumava dizer por aqui, os “linhas” ou “jogadores de linha”, que são sete atletas mais rápidos e ágeis – um dia, já foram também mais leves, o que hoje nem sempre é verdade), cuja função é, tendo a bola em mãos, usar de seus predicados para ganhar território e, idealmente, levá-la até a linha de fundo e cravá-la no in-goal (o try, ou o gol do rúgbi).
Desses sete jogadores, destacam-se pela função de ligação/distribuição do jogo os atletas que usam as camisas 9 e 10, o primeiro ligando os avançados aos três-quartos, e o segundo, o camisa dez (o abertura, como destacado acima), responsável por pensar e distribuir o jogo. Ou seja, um armador.
O abertura clássico deve ser ágil, habilidoso, rápido, saber jogar com as mãos e com os pés, e deve ter visão ampla a clara do jogo. Havendo faltas mais graves, que tem por resultado a possibilidade de um chute para três pontos (os penais, em que o jogador pode decidir por chutar a bola no vão superior do “H”, para marcar três pontos), cabe na maior parte das equipes ao abertura executá-lo (seria mais ou menos como ver o Zico bater faltas perto da área do adversário e pênaltis).
Assim, a semelhança é clara. E, assim como no futebol, o rúgbi vive uma fase de poucos aberturas realmente acima da média.
As quatro seleções que se classificaram às semi-finais (escrevo horas antes do primeiro jogo das semi) têm, com alguma variação, aberturas que estão mostrando qualidade extrema, ou prometem no futuro destacar-se. Dan Carter, dos All Blacks, dispensa comentários, apesar de ser titular só porque o Aaron Cruden se machucou às vésperas do Mundial; o australiano Bernard Foley, que eu criticava até pouco tempo, mostrou, especialmente contra Inglaterra, que fez bem o técnico australiano (Michael Cheika) em deixar Quaid Cooper (por muitos havido como grande destaque australiano na posição) de fora; Nico Sanchez, o Puma que não conhece a expressão “bola perdida”, faz Mundial soberbo; e Handre Pollard, o garoto que ganhou vaga pouco tempo antes do Mundial na África do Sul, se não brilhou em todos os jogos, demonstrou segurança.
No entanto, quando se olha para as 20 seleções que já saíram da Copa, são poucos os aberturas que realmente jogaram acima da média. Dan Biggar, de Gales, fez um Mundial incrível, e nem a Macarena que dança para bater penais, que parece uma crise de TOC, o desqualifica. Na Escócia, Finn Russell foi o responsável por uma equipe com mais jogadas e criatividade, algo que seus antecessores recentes não conseguiram fazer. E, por fim, Jhonny Sexton, de Gales, não fez Mundial incrível, mas é de notória qualidade.
Os demais, todos, têm nível bem mais baixo. Alguns, como os que passaram pela posição na seleção italiana, antes e durante a Copa, são de desanimar! Erram chutes fáceis, tomam decisões erradas, fazem o time recuar ao invés de avançar. E, quando isso acontece, é impossível ganhar, afirmação que prova uma regra bárbara do rúgbi: nenhum jogador vence uma partida sozinho; mas qualquer jogador de um time, em um dia muito ruim, pode levar sua equipe à derrota.
Joguei, por alguns meses, com um abertura assim: ele chutava quando deveria jogar com as mãos, e vice-versa, e tomava sempre as piores decisões em campo. Acho que nunca corri tanto quanto nesses meses, sempre atrás dos adversários…
Ou seja: tem camisa 10 no rúgbi, muito semelhante ao 10 do futebol. Mas não houve nem haverá um Pelé, mas um conjunto de jogadores que, somados, podem gerar o que corresponderia a um Pelé coletivo. E esse Pelé coletivo, pelo que se viu nas quartas de final do Mundial, atende pelo nome de All Blacks.