Escócia encara tabu de 32 anos e poderosa Austrália com “tempero argentino”
UOL Esporte
Por Bruno Romano
(Cena do scrum australiano, sob tutela do argentino Mario Ledesma, atropelando a Inglaterra neste Mundial)
Aí vai uma pequena história para abrir a análise de hoje. Desde 1911, a Escócia jogou 47 vezes em Twickenham, todas contra a Inglaterra. Tente adivinhar (antes de pular para o próximo parágrafo) quantas vitórias eles conseguiram no estádio de Londres, palco do duelo deste domingo contra a Austrália, pelas quartas-de-final do Mundial.
Apenas quatro. A última delas há 32 anos, quando Roy Laidlaw, tio do atual camisa nove Greig Laidlaw (artilheiro, motor e coração do time atual), ainda atuava pela Escócia.
Lá atrás, em 1983, sequer havia Copa do Mundo. O primeiro Mundial só rolou em 1987.
Espera aí, desde quando o estádio muda alguma coisa? Verdade, mas o retrospecto escocês contra a Austrália também não ajuda: no Mundial de 2003, os australianos venceram o duelo, também em uma disputa de quartas-de-final (33-16).
E dos dez confrontos diretos nos últimos quinze anos, são apenas duas vitórias escocesas.
Deu para sentir o tamanho do drama?
Austrália x Escócia
(Twickenham, Inglaterra; 18/10, 12h)
Não há missão mais difícil nas quartas-de-final desta Copa do Mundo que a da Escócia. A mais frágil das oito classificadas vai enfrentar a seleção considerada (por treinadores, jogadores e vários especialistas, dos jornais aos pub’s) a grande favorita a vencer a Copa até aqui – ao lado, sempre, dos All Blacks.
Estamos falando de uma nação bicampeã mundial (1991 e 1999), que mostrou uma equipe embalada e no auge de sua forma.
Se contra a Inglaterra a Austrália deu aula de velocidade (de bola e de decisões), contra Gales deixou bem claro o que significa bravura e heroísmo em um campo de rúgbi. Saiu do grupo da morte fortalecida.
A confiança com que os australianos estão jogando é que mais impressiona. Essa sensação traiçoeira também pode ser um grande inimigo. Até por que, no papel – e na qualidade individual e coletiva – são muito superiores.
O curioso é que os Wallabies foram buscar uma solução argentina para esta Copa. O ex-primeira linha dos Pumas, Mario Ledesma, é o treinador dos forwards australianos (números 1 a 8, entre os titulares).
Somar a já conhecida potência dos backs (camisas 9 a 15) australianos com um jogo coletivo e impactante dos grandalhões foi um toque de mestre.
Segundo o head coach da Austrália Michael Cheika, o que Ledesma fez foi mostrar que a técnica é importante, mas a atitude é decisiva. Há um ano, este mesmo grupo foi devastado pelo scrum inglês. Nesta Copa, eles simplesmente passaram por cima dos anfitriões.
Em grandes jogos de rúgbi, que envolvem duas potências, scrums podem definir o resultado. Mais do que ganhar a posse de bola, um bom scrum passa fortes recados: somos mais fortes, estamos mais unidos e vamos sempre empurrar vocês. Esse domínio logo se reflete nas outras áreas do jogo.
É claro que a Escócia já está pensando em como tentar equilibrar isso. E terá de fazê-lo sem dois jogadores chave, Ross Ford e Jonny Gray, suspensos por tackles perigosos no último jogo contra Samoa.
O ótimo treinador neozelandês Vern Cotter, a frente dos escoceses, também deve estar tentando entender por que o time jogou tão mal até aqui nos primeiros tempos e tão bem nos segundos – erro que, se repetido, será fatal contra os Wallabies.
Superar todos esses desafios já seria o maior feito da história do rúgbi escocês. Somente uma vez, em 1991 contra a Inglaterra (9-6), eles sentiram o gosto de uma semifinal de Mundial.
Retrospectos, histórias e análises só servem para fora do campo, claro. Lá dentro, os escoceses sabem do tamanho da encrenca, mas têm outra ideia de jogo.
“Tenho certeza de que a mídia na Austrália já está pensando na semifinal”, provoca o pilar escocês Alasdair Dickinson, em entrevista coletiva. “Só que para a gente, essa é a nossa final”, finaliza Dickinson.